Nem televisão, nem streaming e muito menos YouTube. Com treze episódios e duração de um minuto por capítulo, a série “Live” foi feita sob medida para o Instagram. A trama fala sobre o impacto dessa rede social na vida das pessoas, dentro e fora da internet, e retrata a realidade de um mundo cada vez mais conectado e com dificuldades de lidar com os limites.
“As pessoas querem aparecer a todo custo em todos os lugares. E mais, querem que as outras pessoas também se mostrem. Todo mundo quer ser seguidor e influencer ao mesmo tempo. O exibicionismo no Instagram encontrou terreno fértil na nossa sociedade moldada por arestas narcisistas”, afirma o autor e diretor de “Live”, Victor Brennand.
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Afastada da TV brasileira desde “Malhação 2006” e residindo em Portugal há alguns anos, a atriz Karla Muga é Lady, digital influencer super famosa, que é uma das protagonistas da série.
Outro ator conhecido por interpretar papéis de destaque em várias novelas brasileiras, Leonardo Vieira, que atualmente está no ar na reprise de “Caminhos do Coração” da Record TV, interpreta o misterioso Pedro Lucas. O elenco formado por portugueses e brasileiros conta também com Iolanda Laranjeiro, Rita Demel e Pedro Ramoa nos papéis principais.
Totalmente gravada através de um celular e com a ajuda dos atores, que desempenharam também os papéis de cinegrafistas e técnicos de som, “Live” prova que dá pra aliar tecnologia, conteúdo e criatividade, sem muitos recursos.
A era do exibicionismo digital foi uma fonte inesgotável de inspiração para os brasileiros Victor Brennand e Tati Pasquali, que mergulhados no mundo dos “instagrammers”, criaram a primeira temporada da série. Tati, além de diretora e roteirista também é atriz, e interpretou Virgínia, mãe de Carminha (Adriana Esteves) na novela “Avenida Brasil”, entre outras produções.
Formado em direção teatral pela Unirio, Victor escreveu e realizou curta-metragens que percorreram alguns festivais da Europa. Aventureiro e meio cigano, como ele mesmo se intitula, mora em Lisboa onde dá aulas de atuação e roteiro, e não esconde o desejo de dirigir novelas.
Victor Brennand conversou comigo e revelou algumas curiosidades sobre a sua “instasérie” e revelou o que o público pode esperar dessa experiência chamada “Live”.
Entrevista
Hoje em dia o Instagram é uma das redes sociais mais utilizadas no mundo. Além de ter a opção de postar vídeos no feed, o IGTV foi criado para atender essa demanda de vídeos maiores. Como surgiu a ideia de produzir uma série para o Instagram?
Eu e Tati Pasquali nos conhecemos em Lisboa, tivemos forte afinidade. Dois brasileiros, artistas, viajantes, decididos e entregues. Vivíamos praticamente no mesmo bairro no Rio de Janeiro, frequentávamos os mesmos lugares, inúmeros amigos em
comum, no entanto, nunca nos conhecemos. Fomos nos cruzar em Lisboa. Era nítido que tínhamos que fazer alguma coisa com este encontro. A Tati é atriz e diretora, já viveu uma experiência como YouTuber. Pensamos o tempo todo em fazer alguma coisa para a internet. Cogitamos o YouTube mas percebemos que aquilo não atrai mais interesse. Ninguém mais tem saco para 25 minutos de vídeo. O foco está todo no Instagram. Na economia, pois são muitos conteúdos para o seguidor acompanhar. A ideia surgiu de forma muito espontânea, a Tati me ligou um dia e perguntou “será que fazemos no Instagram, migo?”. Ali encontramos nosso espaço de criação. O mundo está no Instagram. Apresentamos um minuto, se o seguidor se interessar ele vai atrás de mais. Assim que funciona.
Vivemos na era da exposição, que é impulsionada pelas redes sociais. A série também fala sobre os limites de estarmos conectados o tempo todo?
As pessoas querem aparecer a todo custo em todos os lugares. E mais, querem que as outras pessoas também se mostrem. Todo mundo quer ser seguidor e influencer ao mesmo tempo. O exibicionismo no Instagram encontrou terreno fértil na nossa sociedade moldada por arestas narcisistas. Tanto que ter um perfil de sucesso no Instagram virou atualmente uma profissão bem-remunerada – quiçá milionária. A série fala disso, do impacto do Instagram na vida das pessoas dentro e fora da rede. As Instagrammers já não conseguem distinguir a fronteira entre a vida real da virtual, vivem personagens que só existem para criar conteúdos de satisfação alheia. Usam e abusam das máscaras. Mas ao mesmo tempo, são elas ali, despindo-se diariamente, até com sinceridade… Quando decidimos que nosso veículo de comunicação seria o Instagram, eu assumi essa realidade, mergulhei nas digital influencers, devoro-as sem parar. É muito louco e instigante este universo. Se você reparar bem o Instagram tem todos os ingredientes da dramaturgia.
Karla Muga vive na memória afetiva dos brasileiros graças a Grampola, papel de destaque na novela “A indomada”. Em “Live” ela interpreta Lady, uma personagem que já desperta um certo mistério. Ela esconde algum segredo? É mesmo uma mocinha ou seria um personagem dúbio?
Não existem mocinhos nem bandidos no Instagram. Cada um na sua rede social é dúbio por natureza. É aquilo que eu comentei, a fronteira do mundo real e do virtual já se diluiu faz tempo. As nossas personagens são dúbias e complexas.
Elas são construídas em camadas, facetas e personalidades oscilantes. Uma vez trancafiadas sozinhas em intimidade, elas terão total liberdade para transitar entre quem são na esfera virtual e a quem passam ser no campo do “real” (a realidade dentro da trama). Todos escondem alguma coisa, um segredinho, que vem à tona durante a série, para supresa das personagens e também dos nossos seguidores. Foi uma delicia escrever esses episódios.
Leonardo Vieira é um ator com um grande reconhecimento aqui no Brasil, graças ao seu talento e inúmeros trabalhos na televisão. Ele interpreta o Pedro Lucas, que é meio obcecado por Lady. É um vilão? Pode contar algum detalhe desse personagem?
A nossa série é uma grande crônica social, porém densa, com toques românticos, exagerados e kitsch, humanos e passionais. Uma “pegada” meio Almodóvar, que flertou (e flerta) bastante com a PopArt e tem o pé no melodrama. Pedro Lucas não é vilão, pelo contrário, ele faz tudo pelo bem da sua Lady. Mas às vezes o que é o bem para uma pessoa seja o mal para a outra. O que é o bem? E o mal? Essas fronteiras também estão diluídas.
Podemos dizer que “Live” é uma série pioneira no Instagram. Quais são os desafios de trabalhar em um projeto para essa plataforma?
Todos que você possa imaginar. Começando pela escrita. Eu não tinha nenhuma referência para apoiar a minha criação. Tudo era fortemente debatido com a Tati, mas na hora de sentar na frente do computador eu tinha que me virar nos trinta, ou melhor, nos sessenta segundos de episódio. Tudo tinha que estar ali, acontecer, mover a ação pra frente, e ainda dizer alguma coisa. Não queríamos uma série por série. Queremos levantar um tema, uma bola para os nossos seguidores chutarem. Os desafios continuaram na produção, nos estudos de mesa e ensaios. Dirigir sem dirigir. Eu e Tati propusemos um grande plano sequência, tudo filmado pelos atores, ora em selfie ora em objetiva. Com ações diferentes e viradas a cada minuto. Não tivemos nenhum controle dos atores no set. Mas para isso acontecer como aconteceu (mágico!) entregamos muito material para o nosso elenco. Começando por um argumento bem escrito. O primeiro ensaio foi aterrorizante. Fomos para casa preocupadíssimos. Era tudo novo, sem respostas prontas, só o tesão por fazer. Todos queriam ver essa série feita. Voltamos na manhã seguinte, depois na outra, e assim foi. Estudamos, ensaiamos, filmamos, juntos, tudo em seis ou sete encontros.
Como foi o processo de criação entre você e a Tati Pasquali?
Nos completamos bem. No caso da série fizemos a criação, produção e direção. Não foi fácil. Quando ela estava esgotada, eu dava um gás, quando eu queria jogar a toalha ela vinha com o suporte. A coisa se deu. A gente brinca que eu sou a Lady (doce e sensível) e ela a Madalena (manager carrasca). Risos. Mas funciona e funciona bem. Tudo do argumento foi pensado e debatido todo o tempo. Eu sou o pai e ela a mãe. Os pais criam o filho juntos e em diálogo, como tem que ser. E ela está grávida (não de mim. Mais risos), então de fato vivemos uma gestação real com a série. Lembro que as personagens nasceram numa padaria, na mesa suja de pão e café com leite. Tínhamos 40 minutos de “folga” de um trabalho em que estávamos juntos, não ia rolar outro tempo na semana para voltarmos a criar. Ali nasceram os nossos cinco filhos, numa folha de caderno. De supetão. Foi lindo.
Aquela famosa frase “Nada é o que parece” se encaixa na personalidade dos personagens dessa série? Tem algum personagem preferido?
Essa pergunta deveria ser proibida para qualquer autor. Eu amo os cinco, eles se completam. Lady não é ninguém sem os outros, como os outros não são ninguém sem a Lady. Eu falei de Almodóvar, no entanto, a referência que mais pulsa em mim é o meu amado Nelson Rodrigues. “Live” é quase uma obsessão rodriguiana. As personagens estão isoladas naquele mundinho delas, mas não vivem isoladas, dependem umas das outras, só existem no outro.
Qual é a grande mensagem que “Live’ pretende transmitir?
Viva a sua vida, seja ela real ou virtual. Você é você nas duas, não se engane, não se exclua. Seja você. Viva você.
O que o público pode esperar de “Live”? Romance? Suspense?
Tudo o que uma boa ficção pode oferecer. A primeira temporada é só um aperitivo, um projeto piloto. Daqui pra frente é contar histórias… Investigar novas formas de dramaturgia/narrativa e cinegrafismo explorando um novo veículo na criação ficcional, também um espaço de entretenimento – que não é cinema, televisão, nem mesmo Youtube. É Instagram…
Como se trata de uma obra seriada, a aposta nessa plataforma é inovadora e ousada, e mira em um público ávido para consumir conteúdo de forma rápida e objetiva.
Para conferir os episódios é só seguir @live_instaserie no Instagram!