O Projeto CAIS (Coletivo Audiovisual Itinerante de Séries) é um canal no YouTube com mais de 150 mil inscritos e mais de 30 milhões de visualizações. Há mais de oito anos aposta em webséries com protagonistas LGBTI+, e já se aprofundou em diversos temas como HIV, depressão e suicídio, sem deixar o romance como pano de fundo. As séries costumam ser ambientadas no Rio de Janeiro, mas já tiveram Sáo Paulo, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre e Búzios como cenários. Considerado uma plataforma de diversidade e entretenimento LGBTI+, doze séries foram produzidas e estão disponíveis gratuitamente. O projeto é totalmente independente, e por mais que tenha um alto número de visualizações, até hoje o canal não conseguiu fechar parceria com uma grande empresa.
O cabeça por trás do CAIS, a máquina de fazer webséries atende pelo nome de Daniel Sena. Com seus 26 anos, jornalista, baiano, natural de Alagoinhas, largou tudo por lá para se aventurar nos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, para investir na sua arte. E depois de tantos anos de luta, Daniel se tornou referência em webséries e colhe os frutos com o seu reconhecimento e apoio dos fãs.
“O impróprio vai muito além da “bunda”. Hoje, numa maneira de limitar a voz LGBTI+, eles consideram impróprio cenas de beijo mais fortes, determinadas palavras que se usam do vocabulário gay, tudo motivo para restringir o vídeo para menores de 18 anos, o que diminui muito o número de views. O que é injusto, visto que os clipes de funk (como exemplo) estão aí com coisas muito mais picantes e livres.”
Afirma Daniel Sena
Em entrevista exclusiva, Daniel Sena revela os bastidores de suas produções e detalhes sobre a sua carreira.
“Positivos”, de sua autoria, é uma das webséries LGBTI+ nacionais mais assistidas no Brasil, e foi um “boom” de audiência e repercussão. Como você avalia o retorno do público e os números até hoje?
“Positivos” é um dos meus maiores orgulhos porque trata de um tema, que mesmo cinco anos depois ainda é necessário falar. Os índices de pessoas contaminadas pelo HIV não diminuiu. O preconceito em relação a doença, ainda é muito grande. As políticas de prevenção são ineficazes e a série ajuda pessoas. Nosso slogan era “uma série que salva vidas”, como foi “Nossos dias no céu” que gravamos em Brasilia e fala sobre depressão e suicídio. Os internautas assistem, se identificam, se informam, é mais que entretenimento. Os números de “Positivos” que tem quase 5 milhões de acessos, “Nossos dias no céu” que tem 2 milhões, provam que são temas sempre necessários. Já falamos de HIV em “O Anjo do Mar” também e pincelamos em outras séries, sempre gera repercussão e comoção, porque ainda existe e atinge muita gente. Não é repetição do tema, é necessidade mesmo de abordar e alertar.
Vale a pena continuar investindo nesse segmento?
Considero que as webséries vieram pra ficar e são importantes porque fogem da censura da TV, é uma plataforma democrática. Só espero que tenham mais investimento das empresas e que elas enxerguem o potencial desse produto e não somente patrocinem canais de youtubers de comédia.
Suas últimas séries tem tido um número de episódios bem grande, assim como o tempo de duração que se iguala a de uma série convencional. Como administra tudo isso?
Normalmente, por ser um projeto independente, sem recursos, tento limitar o número de episódios e o tempo de duração. O meu objetivo é fazer 10 episódios de 30 a 45 minutos, o que já é muito trabalhoso e exaustivo. Mas sempre acontece do produto fazer sucesso, os fãs do canal cobrarem e a gente acaba estendendo na medida do possível.
É complicado administrar porque depende de uma série de fatores, a disponibilidade dos atores que não recebem cachê, ter locação pra gravar as cenas, que normalmente são apartamentos ou espaços cedidos, e o custo né de transporte, alimentação. Tem hora que tudo isso pesa e pra manter a qualidade a gente limita. A resposta do público acaba incentivando, mas tenho evitado produzir várias temporadas, para manter esse ritmo.
Quanto tempo dura em média as gravações de uma websérie do Projeto CAIS?
Quando começamos a gravar uma série, gravamos todos os dias numa sequência, durante o dia, de madrugada…. nas últimas séries adotamos o esquema de planejar as gravações para que aconteçam em 15, 20 dias, de todo o projeto, ai o ator já entra sabendo que vai ter que gravar de madrugada, em vários horários, mas porque assim, ninguém se prende por dois, três meses e não atrapalha a rotina.
Você tem todo o equipamento ou trabalha com esquema de parceria?
Toda série começamos do zero. Não tenho equipamento, a gente busca parcerias.
E você vive do CAIS?
Não dá pra viver de websérie. Pra custear a produção contamos com doações dos internautas, que viabilizam algumas coisas. Mas elas ainda são produzidas na cara e na coragem e pela disposição de quem topa fazer. O retorno que move ainda é o amor das pessoas que assistem e a vitrine que o canal tem. São mais de 150 mil inscritos e 30 milhões de visualizações! Pro ator, pro profissional é a possibilidade de ser visto, de ter seu trabalho avaliado e de crescer com as experiências. Sou formado em jornalismo, faço alguns trabalhos na área esporádicos.
O Brasil é um país de um povo muito noveleiro, onde as principais emissoras investem nos folhetins e tem grandes retornos de audiência. Apesar do trabalho árduo que se tem, escrever novelas é um sonho?
Desde criança sonhava em escrever novelas. Amo esse universo, assisto todas, não tem um dia que eu não veja um vídeo alguma novela antiga, conheço e estudo a história, mas é um caminho difícil pela maneira como funciona nossas emissoras. Confesso que depois das séries, me sinto mais a vontade nesse lugar. Você não imagina uma novela que aborde temas gays como a gente faz, né? E essa liberdade eu não quero perder, é necessária. Principalmente nos tempos de hoje com um governo que nos deixará cada vez mais carentes do direito de viver nossas vidas como somos.
O Projeto CAIS é uma vitrine virtual que expõe o trabalho de atores, roteiristas e diretores. Como você avalia o alcance da internet hoje em dia?
Acho que a internet é a possibilidade daquele ator que sonha atuar e se vê impedido pelas panelinhas que cercam a televisão. Do cara que ama escrever e tem uma história, mas não tem quem financie. Do que sonha em escrever um livro, mas não tem como pagar por isso, vai lá, cria um blog e se faz ser lido. Hoje temos o poder de ter tanta audiência quanto um programa de TV.
Se tem uma cena com uma bunda o YouTube já classifica como impróprio, mas em paralelo a isso tem um público que gosta de cenas mais picantes. Como funciona a questão da nudez nas suas produções?
Na verdade as minhas séries quase não rola nudez. Em 12 produções, acho que somente duas ou três cenas mostraram uma “bunda”, e mesmo assim, se podemos dizer, de forma poética e dentro do contexto da trama. Se somar as cenas de nudez, não dá nem um minuto. Sempre prezei por não utilizar esse tipo de cena, as cenas de sexo são sempre intuitivas, não mostra nada. Acostumei o público a entender que no CAIS ele não verá cenas picantes, primeiro como forma de proteção ao elenco, que não tá ganhando pra essa exposição e porque considero que não é necessário pra contar uma história. Opinião minha, não me sinto confortável. Tem gente que reclama, queria ver mais, mas aí tem um leque de alternativas ao canal. O impróprio vai muito além da “bunda”. Hoje, numa maneira de limitar a voz LGBTI+, eles consideram impróprio cenas de beijo mais fortes, determinadas palavras que se usam do vocabulário gay, tudo motivo para restringir o vídeo para menores de 18 anos, o que diminui muito o número de views. O que é injusto, visto que os clipes de funk (como exemplo) estão ai com coisas muito mais picantes e livres.
Qual conselho você dá para quem sonha em produzir, mas tem poucos recursos?
O conselho é se jogar, não desistir com as adversidades e ter uma boa historia que atraia as pessoas a topar seu projeto. O cabeça de tudo tem que ser uma pessoa que saiba motivar e que tenha consciência de que não vai ser fácil, mas não é impossível. Reúna seus amigos, poste na internet em grupos de atores, audiovisual, sempre vai aparecer gente disposta a ajudar. A palavra chave é: persistência. Tudo que usei pra produzir 12 séries!
A próxima websérie do canal já está em pré-produção e tem o título provisório de “Fã”, que mostrará o que um fã é capaz de fazer por amor a um ídolo. Johnny Wallace e Andrei Almeida, que participaram da websérie “A Casa Sonho”, e o novato Ruan Carlos já estão confirmados no elenco.