O velho e bom clichê faz parte do DNA das novelas, e é adorado pelo grande público. Todo folhetim é recheado de tramas que já foram vistas em outros projetos, mas é imprescindível que cada autor dê aquela “temperada básica” na sua história para que ela não corra o risco de parecer um belo de um plágio.
No primeiro momento, a trama de gêmeos pode soar batida, principalmente quando eles são separados no nascimento e há um pobre e um rico. Apelidada carinhosamente nas redes sociais de “O usurpador”, ‘Um Lugar Ao Sol’ tem surpreendido de forma positiva em sua narrativa e coloca Lícia Manzo no hall dos maiores autores da televisão brasileira.
Usurpador
Christian (Cauã Reymond), o gêmeo pobre, se viu em uma situação complicada, basicamente sem saída. Se enfrentasse seus problemas, correria o risco de ser preso pela polícia ou morto pelos traficantes. Mas se assumisse a identidade de Renato, o irmão rico, teria a chance de mudar seu destino.
Essa premissa gera diversos questionamentos: Ele é mau-caráter? O certo seria contar a verdade para todo mundo?
Mas também gera reflexão: E você no lugar dele, o que faria?
Oportunidades roubadas
Segundo a criadora de ‘A Vida Da Gente’ e ‘Sete Vidas’, o objetivo não era vilanizar o gêmeo pobre que se passa pelo outro que nasceu em “berço de ouro”. Ele não conspira nem faz nada nesse sentido, ele não mata o outro irmão.
“No Brasil, oportunidades são roubadas diariamente da maior parte da população. Hoje, apenas 14% dos adultos têm curso superior, são 13 milhões de desempregados, um quarto da população vivendo em situação de pobreza… Uma pergunta se impôs para mim de imediato: será que isso que eles desejam é realizável? Qual será o prejuízo íntimo, existencial, de abrir mão dos seus sonhos com 18 anos? A história é principalmente sobre alguém que fica obstinado pela vida que lhe foi roubada”, afirma a autora Lícia em entrevista concedida na coletiva de imprensa de ‘Um Lugar Ao Sol’.
Personagens mais humanos
A teia que envolve a novela é bem construída, e as tramas são bem estruturadas. Bárbara (Aline Moraes) foi anunciada pela imprensa como a grande vilã, mas a personagem é tão humana que nos permite torcer por ela. Pelo menos por enquanto. E a protagonista Lara (Andreia Horta) dispensa comentários, apesar de sofredora, é um papel cheio de carisma e força.
Um protagonista com imperfeições pode gerar mais identificação no telespectador e mais camadas para o ator. Christian tinha tudo para ser um mocinho certinho, só que no meio de sua trajetória ele toma atitudes que o levam a ser considerado um anti-herói.
Em uma sociedade que enaltece o cancelamento, a produção estrelada por Cauã Reymond flerta com a empatia e propõe o público a se colocar no lugar dos personagens. Ao usar os clichês ao seu favor, Lícia Manzo mostra que tudo pode ser reciclado de forma criativa e sofisticada, o que dá o tom original à sua obra.
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