Na noite deste domingo (22), a Record TV exibiu uma reportagem no ‘Domingo Espetacular‘, com o seguinte título: “Polêmica: Ideologia de Gênero nas escolas”. Um material de mais de 15 minutos que deu voz a todos que são contrários aos estudos de identidade de gênero, esquecendo uma prática básica do jornalismo: o contraponto.
Ao chamar a reportagem, o apresentador Eduardo Ribeiro pediu atenção do público para o que ele chamou de “tema polêmico”, o ensino de “ideologia de gênero em escolas para crianças pequenas, a partir dos 4 anos de idade”. Logo em seguida, Carolina Ferraz completou com os seguintes questionamentos: “Será que crianças com essa idade já conseguem entender esse tema? E a escola, será esse o lugar ideal para apresentar o assunto?”, perguntas que foram respondidas ao longo da matéria apenas por quem é contrário ao tema.
Com uma narrativa de causar pânico, o material chegou a associar a inclusão das questões LGBT com índices de suicídio entre trans e o “aumento de transtorno psíquico de crianças” na Suécia, Escócia, Inglaterra e EUA, mas sem apresentar dados dos números de homicídios cometidos contra homossexuais e trans no Brasil.
A colunista Cristina Padiglione, da Folha de S. Paulo, chamou atenção para outra discussão: “Não existem pessoas que também foram mortas ou tiraram suas vidas oprimidos por não poderem sequer pensar no assunto?” Na reportagem especial não teve espaço para isso.
Seguindo a linha doutrinária, a matéria não menciona, mas o termo “ideologia de gênero” surgiu entre meados da década de 1990 e início dos anos 2000 no Conselho Pontifício para a Família, da Congregação para Doutrina da Fé, ala conservadora da Igreja Católica, segundo o Centro de Estudos Multidisciplinares Avançados da Universidade de Brasília (UnB). A expressão não é reconhecida no mundo acadêmico, mas usada por grupos conservadores. Logo, o título da matéria nem deveria ser esse.
Um dos momentos mais trágicos foi quando a reportagem chamou atenção para o fato da educação brasileira ocupar um dos piores lugares no ranking mundial do ensino, e todos os especialistas que foram ouvidos afirmaram que este não é o momento para se pensar na discussão sobre “ideologia de gênero”.
E a falta de investimentos do atual governo na educação? Assim como as vozes contraditórias ao que foi exibido, essa parte não coube nos mais de 15 minutos de vídeo.
É lamentável que um viés religioso tenha atingido tanto a Record TV, ao ponto de confundir programas com púlpito, palanque. Uma emissora com mais de 67 anos que já não escuta todos os públicos e nem fala para eles, parece nunca ter vivido uma época de “Jornalismo Verdade”, que tanto pregou.
Jornalismo é contraponto. Qualquer coisa fora dessa linha é tudo, menos Jornalismo.
Atenção
*As informações e opiniões contidas no texto não refletem necessariamente o posicionamento do Portal Alta Definição.
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