A novela também tem uma grande função histórica, afinal, mostra o nosso país em tempos diferentes. Em 1990, Glória Perez levava ao ar, ás 18h, talvez um dos seus folhetins mais polêmicos: Barriga de Aluguel. A saga de Ana e Clara era específica. Uma trama enxuta para época, com poucos personagens, muitos deles cercavam uma ou a outra protagonista, o que em determinado ponto da novela todos os personagens estavam envolvidos nos dilemas delas. Um trunfo para um autor, costurar tramas paralelas que ajudam a trama central a se desenvolver, e para época, um acerto.
No Brasil de 90 tudo era diferente. Em fins da melhor década, a de 1980, a sociedade estava efervescente mas como a novela é um retrato quase falado do nosso tempo, Barriga de Aluguel discutiu e causou polêmica ao narrar a trajetória de uma mãe infértil que procura um ventre para fecundação. A novela discutiu esse tema a fundo e não enveredou para as grandes causas da época e para isso há muita coisa para ser entendida, evangélicos fervorosos, homens disputando poder e mulheres submissas. Mesmo com a atenção da escritora em relação ao poder feminino, as mulheres eram facilmente esbofeteadas sem grande alarde ou polêmica. Isso era, para espanto da maioria, normal.
29 anos depois, Lurdes!
Manuela Dias estreou no horário nobre com Amor de Mãe. Embora se tenha várias e várias histórias com esse mote, a novela de Manuela se destacou talvez por esse olhar apurado sobre uma sociedade mais tangível aos nossos olhos. Uma novela, digamos, mais crua. Lurdes, de Regina Casé, conquistou o Brasil inteiro. A novela ia na ferida, já no primeiro capítulo teve morte, uma das protagonistas descobrindo que está correndo risco de vida e a outra, a advogada ambígua que ajuda o vilão a se dar bem. Para um primeiro capítulo tão denso dava para se notar que a sociedade evoluiu, e muito, desde Barriga de Aluguel.
O bom desse tempo que corre é saber que ele muda e nós nos transformamos. E a novela conta isso.